terça-feira, 28 de outubro de 2014

Filipe Cavalcante: Por trás das dublagens

Cá entre nós, mesmo que não seja preferência nacional, em alguns casos, as versões dubladas de filmes e séries se tornam mais clássicas do que os originais. Outras vezes, a graça é exatamente em ver as diferenças entre as dublagens ou tentar, por exemplo, reconhecer quem é o ator, pelo dublador fixo que está acostumado a representá-lo.

E as curiosidades ao redor do assunto são enormes. Vai dizer que você nunca quis saber como são feitos os barulhos de choro, beijos ou esforços físicos? Ou como funciona a dublagem de desenhos animados? Para tirar essa e várias outras dúvidas sobre esse processo, falamos com o dublador profissional Filipe Cavalcante, que trabalha há seis anos na área. Filipe já atua desde os 7 anos, e faz dublagem para personagens da Disney, incluindo do filme Toy Story (Ervilhinha)! Veja o que ele conta sobre sua profissão.
Be Style - Como surgiu o seu interesse em ser dublador? Como você se preparou para isso?
Filipe - Desde pequeno eu e meu pai ficávamos brincando em reconhecer as vozes dos dubladores, sempre gostei muito de dublagem, quando comecei a trabalhar como ator, conheci no teatro o ator Claudio Galvan que é um grande dublador brasileiro, ele faz a voz do Pato Donald no Brasil, como eu já admirava seu trabalho de dublador, tive a oportunidade de começar a estudar essa arte com ele e também com a grande dubladora Flávia Saddy, após alguns meses de estudo ingressei no mercado de trabalho de dublagem e não parei mais.

Be Style - Como são escolhidas as vozes para os personagens?
Filipe - As vozes são escolhidas através de testes, os diretores escalam os dubladores para o teste e o cliente escolhe as vozes para cada personagem.

Be Style - Você faz vozes de quais principais atores? E como você se sente "sendo" esse ator por um dia?
Filipe - Um dos principais atores que faço a voz há 5 anos é o Bradley Steven Perry da Disney. Temos a mesma idade e dublo ele desde os 9 anos. O legal é que crescemos juntos, inclusive nossas vozes amadureceram e passaram por mudanças na mesma época. É um grande prazer dublar esse ator, curto demais o trabalho dele, na verdade nossas vozes são muito parecidas, inclusive uma vez eu estava na Argentina e assisti a mesma série dublada em espanhol, incrível como a voz do dublador de lá também é idêntica a minha. Muito legal!

Be Style - Como é que vocês fazem barulhos de beijinhos?
Filipe - Quando dublamos beijos precisamos beijar nossa mão, pois o barulho fica mais fiel ao original. É uma coisa meio doida, mas o resultado fica perfeito.

Be Style - Quando o personagem é ferido, está correndo, ou ofegante, você tem uma técnica específica ou de certa forma, encena também para que a voz faça os barulhos certos?
Filipe - Todas as ações são encenadas, precisamos nos concentrar e colocar na voz toda a emoção que a cena exige. Uma amiga dubladora me contou que uma vez um diretor a pediu para dublar deitada, pois a personagem falava muito deitada e a voz acaba dando diferença de quando estamos em pé, tudo é possível para que o trabalho fique perfeito, seguimos também a orientação do diretor.

Be Style - E o choro? E as gargalhadas? Você consegue fazer de forma genuína ou é tudo técnica?
Filipe - Precisamos de muita concentração para dublar, em uma cena de choro precisamos mergulhar no sentimento do personagem, se emocionar e viver aquele momento, tem que chorar de verdade, tem que rir de verdade, precisamos passar o sentimento coma nossa voz e com a nossa respiração. No início é mais difícil, mas com o tempo e prática tudo vai ficando mais fácil.

Be Style - Como funciona o processo de sincronização labial? É você quem encaixa as palavras para adaptar, ou o texto já vem "pronto" para gravar?
Filipe - Quando entramos no estúdio para dublar, recebemos o texto traduzido, ouvimos todo o tempo pelos fones o som na língua original (inglês, Espanhol, francês etc...) e temos um contador que aparece na tela com a minutagem das falas. Precisamos ter sincronismo, primeiro ouvimos, depois ensaiamos e por fim gravamos, nem sempre as palavras da tradução caem perfeitamente, às vezes é preciso mudar alguma coisa.
Be Style - Você interage com outros colegas dubladores, ou as gravações dos personagens são feitas separadamente e depois editadas?
Filipe - As gravações são feitas separadamente e depois editadas, às vezes dublamos personagens da mesma família e de acordo com os horários nunca nos encontramos com os outros dubladores da mesma série. Porém, existe a exceção da dublagem que chamamos de vozerio, neste caso alguns dubladores gravam todos juntos no estúdio, é a dublagem de uma torcida, de muitas pessoas falando de fundo ao mesmo tempo. Somente nesses casos os dubladores se encontram e trabalham todos juntos.

Be Style - Você também faz dublagem de grandes desenhos animados, certo? Como você cria “esse personagem” através da sua entonação?
Filipe - Às vezes é necessário fazer uma voz mais grossa ou fazer uma voz mais fina. Isso tudo é combinado com o diretor, porém temos que sempre nos lembrar de fazer a voz do determinado personagem da mesma forma.

Be Style - É fácil entrar nesse mercado de trabalho ou é um grupo mais restrito? São muitas horas de trabalho por dia? Conta um pouquinho mais sobre seu dia-a-dia nessa profissão.
Filipe - Como todo o mercado de trabalho nada é fácil, tem que ter empenho, disponibilidade, talento e estudar para aprender as técnicas. Eu comecei a dublar com 9 anos e não parei mais, comecei a dublar para um estúdio e como gostavam do meu trabalho, foram me chamando para outros estúdios e por fim eu dublava para mais de 10 estúdios no RJ. Como eu vou para escola pela manhã, sempre dublei à tarde e à noite. Às vezes eu fazia 4 horas em um estúdio e depois corria para outro, fazia mais 2 horas, depois outro e assim por diante, sempre almocei e estudei dentro do carro, minha mãe sempre agendou meus horários e me leva de um estúdio para o outro. É bem corrido, mas amo demais o que faço. Quando fui contratado para fazer a novela Chiquititas do SBT precisei diminuir muito meu trabalho de dublagem por causa dos horários de gravação, mas felizmente recebi o convite da Disney para dublar o Kaz na série MegaMed aqui em SP, amo dublar e não consigo viver sem.

Be Style - O que você recomenda para quem deseja fazer esse trabalho? E quais os seus cuidados com a sua voz? 
Filipe - Primeiramente o dublador tem que ser ator, o curso de dublagem é indispensável para aprender as técnicas de dublagem, mas não vai te ensinar a interpretar. Por isso, para quem quer entrar na carreira artística, independente de ser dublagem, televisão, cinema eu recomendo que façam um curso de teatro, pois é a base para tudo. Eu comecei minha carreira estudando teatro aos 6 anos, considero super importante. Sobre a voz, ela é nosso instrumento de trabalho, eu tenho muito cuidado, protejo sempre a garganta, dificilmente tomo sorvete e evito bebidas muito geladas. Horas antes de gravar evito alimentos derivados do leite, pois podem alterar levemente nossa voz, faço exercícios vocais e bebo muita água. 

Be Style - Tem algum segredinho ou grande curiosidade que aconteça nos bastidores que você possa contar pra gente, pra nunca mais ouvirmos uma dublagem da mesma forma? (rsrs)
Filipe - Como o dublador não tem sua imagem divulgada, por muitas vezes as pessoas são apaixonadas por uma determinada voz e não fazem ideia de como é o dono dela. O personagem pode ser de um ator super forte de 2 metros de altura e na verdade a voz ser de um dublador magrinho e baixinho. É um mundo mágico e amo fazer parte dele. Também acho que o grande barato da dublagem é você estar sozinho em frente a um microfone, falando, fazendo caras e bocas, chorando, rindo, gritando, é uma coisa meio louca, mas apaixonante.

Be Style - O que você acha sobre a qualidade das dublagens atuais, e o que você acha de quem tem “preconceito” com filmes ou programas dublados?
Filipe - A dublagem brasileira é maravilhosa, preconceito existe, acredito que cada um pode escolher o que mais lhe agrada, porém as pessoas esquecem ou desconhecem a importância da dublagem, filmes e programas dublados não é coisa só para criança. Minha mãe tem um grande amigo que é deficiente visual, ele sempre ficou muito feliz em saber que eu dublava porque para quem não pode ler a dublagem tem uma grande importância, eles podem escutar um filme, um documentário é uma forma de inclusão.

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